sexta-feira, 26 de março de 2010

Publicidade Brasileira

O texto abaixo foi escrito pelo Diretor de Animação Daniel Messias.
Messias aprendeu a desenhar com o pai e hoje dirige o estúdio Daniel Messias Animação (oficialmente fundado em 1975) que, em mais de trinta anos de atividade, ultrapassou a marca dos mil filmes produzidos.

É conhecido pelas vinhetas do Cartoon Network, onde animou Space Ghost de Costa a Costa, e as do Copatoon (2003).
Ele faz parte da história da publidade brasileira, pois a maioria de seus filmes produzidos são para publicidade. Entre os que animou estão Frango Sadia, C&A, Toddynho, Chester Cheetos, Hardy, Papa-Léguas (para o Sedex). Todos os comerciais com o Pernalonga e os Looney Tunes.



A VINGANÇA DAS BARATAS


Sempre que conto essa história a alguém, percebo um certo ar de descrença como reação a um fato tão insólito. Mas, como que a confirmar que tudo o que ocorre em desenho animado parece tão irreal, os que lidam também com essa arte tão inusitada muitas vezes são envolvidos em situações um tanto quanto estranhas.

Ou pelo menos engraçadas.

Mas, de fato, para a minha tristeza à época, essa história aconteceu tal como passo a narrar a seguir.

Vivíamos os primeiros anos da década de setenta e naqueles dias, usávamos folhas transparentes de acetatos para a confecção dos diversos desenhos que compunham um movimento ou ação.

Comparada com os tempos atuais, nos quais o computador tomou conta de todo o processo de produção, a técnica daqueles dias era bem primitiva e consistia, resumidamente, no seguinte: fazíamos a animação em folhas de papel, desenhando sobre pranchetas com iluminação que mostravam os diferentes desenhos. Posteriormente, cada um desses desenhos era transferido para folhas transparentes de acetatos e pintados no seu verso. Finalmente, essas folhas eram sobrepostas a uma ilustração colorida a guisa de cenário e filmadas uma após outra em uma mesa especial chamada table top. O trabalho era muito laborioso e muitas vezes, a falta de recursos quase que total nos fazia pensar em desistir da carreira. Eu trabalhava com um único assistente, o qual realizava a tarefa de transferir para o acetato os desenhos individuais que eu fazia em papel.

Então, ocorreu o fato.


Estava em meio à produção de um filme bem trabalhoso, um comercial de 30 segundos vendendo um inseticida famoso que prometia acabar com todas as baratas do mundo.

O roteiro era muito engraçado e começava com uma gigantesca barata vestida de mágico em um teatro lotado de insetos e trancada dentro de uma urna de vidro de onde ela prometia mostrar a inocuidade do produto: iria aspergir o inseticida dentro da caixa lacrada e sair ilesa, tal qual um Houdini inseto. A platéia explodia de excitação não vendo a hora de presenciar o grande número. É claro, o desfecho é previsível e não só o baratão mágico acaba fulminado como também toda a insólita platéia, provando as virtudes daquele produto.

Para dar um aspecto mais peçonhento ao inseto, nós andamos pesquisando diversos materiais e descobrimos uma determinada cola que agregada à tinta gouache produzia manchas de cor interessantes, causando um aspecto ainda mais repulsivo às baratas. O filme estava em sua fase final e foi agendada uma visita do pessoal de criação ao meu estúdio para acompanhar a produção.

Essas apresentações consistiam em mostrar as artes coloridas dos acetatos enfileiradas sobre uma mesa junto aos cenários e algum matéria a mais como desenhos, models, etc.

Deixamos tudo montado para a apresentação no dia seguinte, alguns acetatos ainda úmidos e fomos embora tranqüilos.

Na manhã seguinte, como de hábito, cheguei cedo ao estúdio, uma sala que ocupava no velho casarão dos meus pais e quando abri a porta quase cai duro: os acetatos todos manchados, baratas mortas aos montes, cada uma deixando um rastro colorido atrás de si, como numa pintura futurista a la Jackson Pollock. Não havia siquer um único acetato ileso e mal dava para se perceber as figuras pintadas no meio daquela imensa maçaroca. Baratas mortas em cima de desenhos de baratas mortas!

A cola que havíamos misturado à tinta possuía algum componente que atraiu os bichos de verdade para aquele festim diabólico, numa espécie de irônica vingança contra a falta de respeito com que os havíamos tratado.

Todo aquele trabalho executado foi perdido, mas conseguimos um prazo adicional para a reconfecção dos acetatos.

Mas fui obrigado a inventar uma outra desculpa para o atraso, pois acho que ninguém acreditaria na verdade.

Fonte do texto: http://www.guiademidia.com.br/

Alguns vídeos memoráveis de propaganda, produzidos por Daniel Messias podem ser encontrados no You Tube.

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